segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Crônicas de Charlemagne - "Do Olimpo, em um dia qualquer..."

Do Olimpo, em um dia qualquer do ano de 2003
Senhorita, saudações.


Tenho velado por você por toda a sua existência, afinal fui seu anjo da guarda desde quando tudo começou numa cama de hospital, onde seu pai, vítima de acidente de trânsito encontrava-se ferido e sua mãe foi visitá-lo, e lá se atracaram entre rolos de gazes, fizeram amor e ela a concebeu. Quem saberá jamais, ao certo, se daquela cama de hospital não teria tido origem a sua vocação profissional?
Me lembro de que nove meses depois, numa noite em que faltou energia elétrica, no mesmo hospital, não no mesmo quarto e nem na mesma cama, você nasceu. Seu pai, naquela noite de 11 de dezembro do ano de 1997, naquelas delicadíssimas circunstâncias, porque seu parto foi realizado à luz de uma reles lamparina, covardemente esquivou-se de suas responsabilidades paternas saindo em peregrinação pelos botequins, experimentando, em antecipada comemoração ao seu nascimento, todas as marcas da boa aguardente vendida no comércio de Raul Soares. No dia seguinte foi lhe ver no hospital, meio grogue ainda, e comentou sobre como um dos seus olhos, desobediente, teimava em olhar em desacordo com o outro. Hoje sei que conseguiu educá-lo, como também a si própria, o que é uma grande coisa.
Me lembro também de uma outra noite em que você, seu pai e sua mãe foram a um aniversário na casa de uma pessoa que, hoje, se encontra entre nós, aqui no Olimpo, porque naquela noite e casa, você, com somente cinco ou seis anos de idade, na falta de com quem ou com o que brincar, entreteu-se em montar um quebra-cabeça enorme, com centenas de peças minúsculas, cujo motivo era uma paisagem variegada, isso sem ajuda de ninguém. Fiquei muitíssimo impressionado.
Dia desses vi chegar-lhe pelos correios, um grande envelope amarelo contendo o seu diploma. Que bom! Alguns familiares seus até comemoraram esse fato, aqui no Olimpo, muito discretamente, como sói acontecer sempre, porque somos todos muito comedidos aqui.
O Chefão, depois de alguns poucos dias de férias a mim concedidas, incumbiu-me de velar por duas pessoas muito conhecidas por você: seu pai e sua mãe. Andam brigando tanto, os dois, que os anjos que os velavam desistiram da tarefa e abandonaram os respectivos postos. Para o seu pai enviei um filhote de urubu, o que deverá entretê-lo por muitos anos; sua mãe merece mais do que um desses bichos fedorentos, e nós não lhe daremos senão amor, carinho e alegria, afinal ela vem cuidando de vocês todos por 38 anos.
Sem mais, senhorita, recomendo-lhe que abra as suas asas e voe tão alto quanto desejar, e despeço-me, já com saudades, lembrando-lhe porém que olhei por você durante nove mil, trezentos e trinta e três dias ininterruptos.

Atenciosamente,

Seu Anjo da Guarda

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